DESPENALIZAR O ABORTO

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Vivemos em um Estado laico. Nenhuma religião pode impor-se sobre as demais religiões.

LOCUTOR A seguir, nosso habitual espaço “O consultório sexual da doutora Mirales”.

CONTROLE CARACTERÍSTICA CONSULTÓRIO

DOUTORA Amigas, amigos, como estão? Felizes e contentes? Pois os invejo, porque eu fui insultada, me disseram horrores. Recebi cartas de alguns religiosos chamando-me de abortista… Que não vão mais ouvir o consultório… Que sou uma satânica, uma herodes mata crianças… Coisas bastante fortes… Agora, o que me chamou a atenção é que a maioria das mensagens foram enviadas por homens. Homens que não engravidam. Varões que nada sabem sobre o que passa pelo coração de uma mulher quando sabe que está grávida e não queria estar. Homens opinando sobre o corpo das mulheres. Se eles engravidassem, talvez pensariam diferente, não é mesmo?

EFEITO TELEFONE

DOUTORA Vejamos se é outro ligando para me insultar… Sim, diga-me?

HOMEM Sabe doutora. Eu não quero insultá-la, por que teria que fazê-lo?

DOUTORA Muito obrigada, o senhor é um homem equilibrado.

HOMEM Mas eu quero dizer-lhe que eu ouvi todos os seus programas e a senhora não me convenceu. Eu continuo pensando que o aborto, qualquer aborto, é uma canalhice contra um inocente.

DOUTORA Pois muito bem. Minha intenção não era convencer o senhor nem a ninguém, mas poder conversar sobre o tema e conhecer outros argumentos. E, sobretudo, que eu não ataque o senhor porque pensa diferente de mim, nem o senhor ataque a ninguém porque pensa diferente do senhor.

HOMEM Aí sim estou de acordo, percebe. Eu sempre digo que cada qual com sua consciência, não é certo?

DOUTORA Além disso, meu amigo, vivemos em um Estado laico, um Estado que não pode casar-se com os princípios de nenhuma religião.

HOMEM Aí me perdi. O que a senhora quer dizer com isso?

DOUTORA Estado laico significa que se o senhor é testemunha de Jeová e pensa que as transfusões de sangue estão proibidas por Deus, pois muito bem. Essa é sua ideia, esse é seu problema. Mas não trate de impor suas ideias aos que pensam diferente.

HOMEM Bom, os judeus não comem porco. E os muçulmanos não bebem álcool. E nem por isso vão nos tirar o porquinho assado nem a cervejinha de nós que não somos judeus nem mulçumanos.

DOUTORA O senhor disse muito bem, meu amigo. E isso vale também para o aborto, não acha? Se o senhor pensa que isso não deve ser feito, não o faça, não o façam em sua igreja. O senhor tem todo direito de pensar assim. Mas não pretenda impor suas ideias no Ministério da Saúde de seu país, porque este é um Estado laico. Nenhuma religião pode impor-se sobre as demais religiões.

EFEITO TELEFONE

DOUTORA Vejamos outra ligação… Alô?

MULHER Doutora Mirales, o problema é que o aborto se converteu em uma das principais causas de morte entre as mulheres.

DOUTORA Falou e disse. E em alguns países, a primeira causa.

MULHER E isso por fazê-los clandestinamente, sem nenhuma higiene, mulheres desesperadas que ficam nas mãos de gente sem escrúpulos, que só querem arrancar-lhes o dinheiro.

DOUTORA Tudo isso acabaria se se despenalizasse o aborto. Se se despenaliza, ao menos, nos casos mencionados, quando é uma violação ou um incesto, quando a mãe vai morrer, quando o feto vem com graves má-formações… e também as razões econômicas, quando uma mulher não pode fazer cargo de mais um filho…

MULHER Despenalizar o aborto, mas também fazer uma verdadeira campanha de educação sexual nas escolas, nos meios de comunicação, acesso fácil e gratuito a métodos anticoncepcionais… Eu acho, doutora, que esse é o melhor caminho para evitar os abortos.

DOUTORA Sim, despenalizar o aborto. E algo mais: despenalizar a consciência. Que nós mulheres tiremos de cima essa culpa, esse medo que nos meteram… Hoje quero terminar o consultório com uma consigna que resume muito bem o que estivemos conversando nestes últimos dias: “educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer.” Até a próxima, amigas e amigos!