FECHE OS OLHOS, MARICA! (2)

Continuação da crônica sobre a homofobia em Caracas.

EFEITO GOLPES

NARRADORA A ordem foi comprida. Os golpes fizeram afogar o choro do adolescente. Nenhuma das súplicas acalmou o policial.

POLICIAL E você, feche os olhos, marica de merda…

NARRADORA Com as pálpebras apertadas, Yonatan ouvia os gritos. Queria chorar, mas fazia o possível para manter a calma. Sabia que depois iriam espancá-lo.

EFEITO FREADA

NARRADORA Logo, o camburão se deteve. Estavam na frente de um bar. Todos os policiais desceram do veículo. Yonatan e o garoto ficaram sozinhos. Era agora ou nunca. Esta era sua oportunidade e não podia desperdiçá-la.

EFEITO RUÍDOS

NARRADORA Tirou seu celular da cueca interior. Toda vez que visitava a Libertador, ocultava o celular em seus genitais para evitar que o roubassem. A estratégia tinha funcionado várias vezes. Desta vez, podia salvar sua vida. Com suas mãos tremendo, começou a buscar na agenda um nome que não aparecia. Até que por fim o encontrou.

EFEITO CELULAR E OFEGAR DE ANGÚSTIA

NARRADORA Discou o número. Seu coração estava descontrolado e suas mãos suavam mais que nunca. Olhava a cada momento para fora do camburão. Esperava que os policiais não chegassem. Chamava e nada. A poucos segundos, caiu na secretária eletrônica. Voltou a tentar. Ninguém respondia. As vozes dos policiais estavam cada vez mais próximas. Devia tentar mais uma vez e rápido. O medo parecia possuí-lo com maior força. Voltou a discar. Esperou. Nada acontece. Mas quando achou que voltaria a fracassar, conseguiu.

VOZ Alô?

YONATAN (MEIA VOZ) Me sequestraram! Estava na Libertador e um grupo de policiais me sequestrou. Não sei onde vão me levar. Querem me matar! Avise.

NARRADORA Desligou justo quando a policial subiu no camburão.

MULHER Para quem você ligou?… Desliga esse troço!

NARRADORA O resto do grupo subiu e o veículo se pôs novamente em movimento. A mulher estava brava. A esperança de Yonatan desapareceu.

EFEITO CAMBURÃO SE AFASTA

CONTROLE MÚSICA DRAMÁTICA

EFEITO CARRO EM MOVIMENTO

NARRADORA Ali está, no camburão. De joelhos e com os olhos fechados.

A arma é apontada novamente. O oficial tinha deixado claro qual era seu destino. Não rezava, porque Yonatan não acredita em Deus. Só pensa em sua família e em seu parceiro.

YONATAN (PENSANDO, REVER) O que dirão quando encontrarem meu corpo?

NARRADORA Todos os seus chegados tinham o advertido.

VOZES (REVER) Você tem que parar de se arriscar assim. Um dia destes te meterão um tiro e ninguém se importará.

NARRADORA Tinham razão. Ninguém se importará. Sabia que no dia seguinte seria mais um número, assim como havia ocorrido com os assassinatos de transexuais que tinha tentado esclarecer. Ninguém investigará.

POLICIAL Verá o que vai te acontecer por ser marica.

NARRADORA Está certo de que estes serão seus últimos segundos de vida. Mas não chora, não deve se permitir chorar. Morrerá, mas não o verão chorar.

MULHER Não façam nada com ele! Este marica já falou com alguém pelo celular. Se fizermos algo com ele, nos meteremos em problemas.

NARRADORA Yonatan ouviu surpreso a voz da policial e sentiu regressar a esperança. Manteve sua cabeça cabisbaixa, esperando alguma resposta do policial que o havia ameaçado. Durante poucos segundos, reinou o silêncio.

POLICIAL Pare o carro.

EFEITO FREADA CAMBURÃO

NARRADORA O camburão parou.

POLICIAL Você, marica, desce.

NARRADORA Estava surpreso e também aliviado, mas não esperou. Com as pernas ainda tremendo, Yonatan desceu do carro.

POLICIAL Bico calado. Estamos te vigiando.

EFEITO CAMBURÃO SE AFASTA

NARRADORA Estava vivo. Estava a salvo. Graças a uma ligação. Talvez graças ao deus em que não cria. Fosse o que fosse, estava vivo. Caminhou vários passos por aquela rua escura. Já não estava na Libertador. Depois se deixou cair na calçada, respirou várias vezes e não agüentou mais: nesse momento, começou a chorar.

CONTROLE MÚSICA DRAMÁTICA

LOCUTOR Yonatan Matheus, dirigente de Venezuela Diversa, foi vítima da polícia simplesmente por defender os direitos da comunidade LGBTI.

LOCUTORA Adaptação radiofônica da crônica de Juan Carlos Figueroa.