MEIOS PÚBLICOS: DEFENSORIAS DO POVO (4)

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Três características de um meio público: converter-se em ágoras democráticas, em controladorias cidadãs e em defensorias do povo

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O poder corrompe — dizia Nietzsche — e o poder absoluto corrompe absolutamente. Isto vale para todos os poderes, desde o econômico até o religioso. A que antes vendia batatas no mercado agora olha sobre o ombro à provinciana que lhe limpa a casa. O capitão grita ao sargento e o sargento cospe no recruta. O touro não se lembra de quando era bezerro nem o bispo de quando era monge. E assim, quanto mais se sobe na escada do poder, mais apodrecem os passos.

Por isso, um meio público, além de ágora e controladoria, tem que assumir uma terceira e difícil missão: a de converter-se em uma defensoria do povo ao ar livre. Um espaço onde as pessoas ligam e reclamam, onde denuncia a corrupção e a burocracia, onde tramita a solução dos mil problemas da vida cotidiana.

Onde apelará um cidadão se num hospital público não lhe prestam a devida atenção? Onde protestará se os servidores públicos estão de conluio com os infratores privados? Em que espaço denunciará se a justiça não lhe faz justiça? Os meios de comunicação se converteram hoje em espaços privilegiados de negociação e resolução de conflitos. A rádio, a televisão e a imprensa são meios e são mediações, como explica Martín Barbero. E estes meios, se são públicos, se tornam especialmente idôneos, por sua independência de controles políticos e comerciais, para esta defensa dos Direitos Humanos.

Disso trata o jornalismo que chamamos de intermediação e que poderíamos também nomear jornalismo cidadão.

A intermediação costuma ser definida como uma negociação assistida. Neste sentido, requer um elemento neutro para ajudar a que as partes envolvidas em um conflito alcancem um acordo por consenso.

Não é exatamente esse o sentido do que pretendemos, porque nós não somos neutros. Estamos engajados com a cidadania, nos alinhamos claramente a favor dos setores mais vulneráveis, das maiorias nacionais, dos pobres e excluídos. Não somos juízes, portanto, não nos corresponde ditar sentença. Também não somos advogados. Não nos pagam pelas denúncias que tramitamos nem jamais defenderíamos uma causa injusta por termos sido contratados para isso.

Somos comunicadores e comunicadoras. Como tais, facilitamos os microfones (ou as câmaras ou o papel) para que o reclamo da cidadania chegue aonde deve chegar. Fazemos ouvir a voz das pessoas ante as instâncias responsáveis quando estas se mostraram irresponsáveis. E se as pessoas não podem falar diretamente, emprestamos nossa voz para que as autoridades ouçam, para fazer valer a denúncia e encontrar uma solução justa. Somos pontífices, no sentido exato da palavra, relacionamos as duas margens. E também cruzamos a ponte, junto com o povo que avança.

Chega uma denúncia à rádio. Pode ser uma visita, ou por telefone, por carta ou através da unidade móvel. Pode ser uma pessoa ou um grupo. Pode relacionar-se com a corrupção, com a burocracia, com a discriminação, com as mil e uma formas de atentar contra os Direitos Humanos.

Damos-lhe curso. Os condutores do programa têm que averiguar bem de que se trata.

E tomar as precauções necessárias para que não lhes vendam gato por lebre nem fofoca por denúncia.

Já foi pro ar o caso denunciado. Agora vamos estender a poente com quem pode resolvê-lo. A quem recorrer? À autoridade competente. E insistiremos ante dita autoridade, ou ante a superior, até que se resolva o problema. Porque não é questão de fazer uma ligaçãozinha e ouvir a sabida resposta de “vamos a nomear uma comissão”. Muitas comissões são nomeadas para ganhar tempo e que tudo fique como está. É preciso dar seguimento às denúncias cidadãs e levá-las adiante até que se encontre uma solução satisfatória para os afetados.

Supunha um bairro que ficou sem água. Ou uma escola onde o professor assedia as alunas. Ou uma fábrica que não tem seus trabalhadores inscritos na seguridade social. Todas essas violações aos Direitos Humanos e às garantias constitucionais podem e devem ser denunciadas nos meios públicos. E podem e devem procurar resolver-se através de um jornalismo sadio de intermediação social.

Em que formato podemos canalizar esta classe de jornalismo? Pode ser uma seção dentro do informativo matinal. Ou dedicar um espaço completo de uma hora ou mais a este exercício de empoderamento cidadão. Algumas emissoras salpicam sua programação, segundo as denúncias que recebem ou os contatos com autoridades que estabelecem, com boletins de intermediação. Outras, ampliam os dados com investigação jornalística e chamam a rodas de imprensa onde dão a conhecer, convocando a outros meios, a denúncia verificada e ampliada.

Para começar a andar por este caminho, cheio de riscos pelos interesses que se tocam, é preciso que o Conselho de Administração da rádio ou da TV, ou do meio de comunicação, tenha bem estabelecida uma política que lhe permita avançar sem as ingerências típicas dos ministérios de comunicação ou do poder executivo. Os meios públicos só deveriam render contas ao poder legislativo.

Três características de um meio público: converter-se em ágoras democráticas, em controladorias cidadãs e em defensorias do povo. Estas características são válidas também para os meios comunitários que têm uma finalidade social similar à dos meios públicos.

Uma rádio, uma TV que assuma estes três desafios não tem que temer a competição dos meios comerciais. Um meio público ou comunitário que abra seus microfones à diversidade de vozes, que faça foros cidadãos, debates pluralistas, que peça prestação de contas das autoridades, que se comprometa com o jornalismo de intermediação, estará nos primeiros lugares de audiência. Pode ter certeza.  

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