AS CULTAS (9)
O que há por trás desse palavrório com que pretendemos adornar nossa locução?
Disseram-nos que quanto mais complicado falamos, mais cultos parecemos. Ensinaram-nos palavras difíceis na escola e mais difíceis ainda na universidade. Convenceram-nos que dizer “nádega” é vulgar, mas dizer “glúteo” é educado. E se nos referimos ao “derrière”, indubitavelmente já galgamos o supra-sumo da cultura.
Imitando a locutores comerciais ou estrangeiros aprendemos a apresentar os discos com palavras rebuscadas, até extravagantes. Dar a hora certa dizendo: “dez minutos completaram às 16 horas”. A comprazer às “distintas moçoilas” e a entrevistar ao “alcaide”. O importante era separar-nos do vocabulário das pessoas comuns. Isto é, de nosso vocabulário, porque a maioria das locutoras e locutores vêm dos setores médios e populares. Mas alguns têm vergonha de falar como falava sua mãe. E quando se colocam atrás do microfone o que mais fazem é o ridículo.
Do imperecedouro cofre dos devaneios, extraímos uma seleção musical para o deleite timpânico de nossa prestigiosa audiência.
Com essa linguagem “domingueira”, com esse enredamento de expressões, abusando dos jargões jorna-lísticos, não se pretende outra coisa que deslumbrar aos ingênuos. Mas as pessoas são espertas e descobrem o enrolador embora ele pareça muito judicioso.
Quer desmascarar estes pedantes? A melhor forma é aumentar a dose de sua própria droga. Aproxime-se a um deles que esteja preocupado e diga: Tranqüilo, irmão. Recorde que a perturbação climática, rosto jucundo.
Como ficará desconcertado, lhe dê uma tapinha no ombro e diga: Já sabes, vital líquido que não hás de ingurgitar, permite-lhe que discorra por seu álveo.
E quando passe uma pretensiosa com o nariz arrebitado comente: Pelo visto, cavidade gástrica satisfeita, víscera cardíaca eufórica.
O que há por trás desse palavrório com que pretendemos adornar nossa locução? A inflação de palavras costuma estar em relação direta ao vazio das idéias. Como dizem que disse o ilustre Sigmund Freud, alguns oradores cumprem este lema: Já que não somos profundos… ao menos sejamos obscuros!
Relata-me com quem deambulas e manifestarei tua idiossincrasia.
Diga-me com quem andas e te direi quem és.
Temos que mudar a mentalidade redescobrir a verdadeira força da cultura popular. Para o locutor profissional, para a inteligente locutora, o mais elegante não será o mais difícil, mas o mais simples. E a palavra mais culta será aquela que mais pessoas entendam, E o melhor elogio que escutaremos será quando digam de nós: Fala como seu povo.
Como falam teus próprios colegas?
Como você fala?
Dê a tua opinião!
Locución en la radio popular, ALER, Quito 1991.