122- ATÉ À MORTE DE CRUZ

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Apesar da proibição do governador Pôncio Pilatos, uma avalanche de gente conseguiu atravessar a porta de Efraim atrás do piquete de soldados. Ali, entre o caminho que vai para Jafa e a muralha da cidade, ficava o Gólgota, uma colina redonda e pelada como uma caveira. Nela, em vez de árvores, foram plantados postes de madeira, muitos paus negros onde haviam agonizado centenas de homens no tormento da cruz. O ar cheirava a podre. A garoa não cessava de cair e nos fazia escorregar sobre os arbustos e pedras ensangüentados daquele macabro lugar…

Centurião: Para trás, para trás!… Todos para fora!… Que ninguém se aproxime!… Ordem do governador… Para trás, todos para trás!… Somente os condenados à morte!… Todos os outros para fora!

Os soldados nos empurraram e formaram um cordão com as lanças atravessadas para que ninguém se aproximasse dos prisioneiros. O centurião, a cavalo, fez sinal para os verdugos…

Centurião: Ei, o que estão esperando?…Desnudem-nos. A roupa fica para vocês, quando terminarem. Vamos, depressa…!

Os crucificadores pegaram Jesus e os outros dois jovens zelotas que iam ser justiçados com ele. Tiraram-lhes a túnica e o calção… Os três ficaram completamente nus, somente com a tabuleta da condenação pendurada no pescoço, diante da multidão que se aglomerava na encosta do Gólgota… Jesus tinha o corpo destroçado pelos açoites e torturas e mal conseguia parar em pé. Tremia de febre…

Centurião: Silêncio!… Mandei fazer silêncio!!

O centurião nos olhou a todos com um olhar de desprezo…

Centurião: Moradores de Jerusalém, forasteiros de outras províncias, estes homens que vocês têm diante de si atreveram-se a desafiar o poder de Roma. Mas ninguém escapa das garras da águia imperial. Olhem para eles agora, nuns e envergonhados. Leiam seus crimes: conspirador, agitador do povo, rei dos judeus… Escarmentem todos. Assim acabam os que se rebelam contra Roma, porque o império de César, é imortal! Viva o César de Roma!… Eu disse viva o César de Roma!

Mas ninguém respondeu. Somente apertamos os punhos com raiva. Debaixo da chuva obstinada, estávamos ali os de sempre: os pobres de Isrrael, os camponeses galileus, os que viviam nos barracos de Jerusalém, os que haviam posto em Jesus tantas esperanças…

Um homem: Não chore, conterrâneo. Não deixe que eles nos vejam chorar. Não dê esse gostinho aos verdugos nem esta dor aos que vão morrer…

O cordão de soldados se abriu para dar passagem a um sacerdote do Templo que, como de costume, convidava os condenados à morte a se arrependerem de seus pecados antes do último suplício…

Um sacerdote: Peçam perdão a Deus, rebeldes!… Tomara que o Senhor tenha misericórdia de suas almas!… Você, que se fez chamar de profeta e Messias, reconheça sua culpa antes de morrer… Vamos, diga: “Senhor, perdoa meus muitos pecados”… Diga.

Jesus: Senhor… perdoa… a eles… porque não sabem o que fazem.

Sacerdote: Charlatão até o final…!

O sacerdote, levantando os ombros com indiferença, colocou-se de lado.

Enquanto isso, um soldado ofereceu aos três sentenciados um pouco de vinho misturado com mirra para que suportassem melhor a dor. Mas Jesus não quis beber. Então o centurião indicou os três paus onde iam ser pendurados os prisioneiros e deu a ordem para começar a execução…

Centurião: Preguem-nos!

Quatro soldados se ocupavam de cada réu. Tombaram Jesus sobre o madeiro áspero e molhado. As costas, em carne viva, se contraiu… Agarraram-no fortemente, esticando-lhe o corpo. Um soldado sentou-se sobre o braço direito de Jesus para que não escorregasse e agarrou o primeiro prego, grande e enferrujado…

Soldado: Agüente, rapaz, morda a língua e agüente…!

Pôs o prego entre os ossos do pulso, levantou o martelo e descarregou o primeiro golpe, seco e bárbaro… Um gemido profundo escapou da boca de Jesus, um uivo selvagem que parecia sair das entranhas da terra e não das de um homem… O sangue começou a jorrar aos borbotões, os dedos da mão se comprimiram, todos os músculos do corpo se crisparam por causa da dor espantosa… Mas o soldado continuou martelando até que o osso estivesse bem grudado à madeira.

Soldado: Ei, continuem vocês…!

Passou o martelo a outros soldados que esticavam o braço esquerdo de Jesus… E afundaram em sua carne o segundo cravo…

Tiago: Pedro, venha, vamos nos aproximar…

Pedro: Não posso, ruivo… não agüento isso…

Tiago: Pelo menos para que ele nos veja quando o erguerem… que saiba que estamos aqui com ele…

Pedro: É isso que eu não consigo, Tiago, não me atrevo a olhá-lo… Eu fui um covarde…

Tiago: Todos fomos covardes, Pedro… todos. Você e Judas e eu… todos.

Quando os braços estavam pregados no madeiro, os soldados arrastaram com cordas e começaram a içá-lo apoiando-o sobre o pau vertical, negro e cambaleante, que com a chuva recendia o sangue velho de outros justiçados…

Centurião: Vamos lá, meus homens, puxem com força…!

Soldados: Eeea!

Centurião: Outra vez!

Soldados: Eeea!

O madeiro, com o corpo de Jesus pendurado nele, foi se elevando lentamente… até que por fim encontrou seu encaixe na ponta do outro pau, formando o “T” da cruz… Colocaram-lhe uma cunha de madeira entre as pernas para sustentar o corpo. O verdugo pegou novamente as ferramentas, dobrou-lhe as pernas para colocar os joelhos em ângulo, cruzou um pé sobre o outro e com pesados golpes de martelo atravessou um prego mais longo entre os ossos dos tornozelos…

Centurião: Agora sim você está em seu trono, rei dos judeus!

Os soldados, rindo, pregaram por fim a tabuleta da condenação sobre a cabeça de Jesus… Haviam terminado seu trabalho. Já podiam ir repartir as roupas dos prisioneiros e jogar nos dados a posse da túnica…

Bem perto de Jesus haviam sido pregados Dimas, o zelota. E do outro lado, um tal Gestas, também do movimento…

Gestas: Eu não quero morrer… não quero! Maldição, maldição!… E você, nazareno, não diziam que era o Messias e que ia nos libertar?… Maldição para você também!

Dimas: Cale-se, Gestas, não o amaldiçoe… Ele lutou pela mesma coisa que nós… Escute, Jesus… O que aconteceu, companheiro?… O que aconteceu com o seu Reino de Deus?… Você não disse que ele ia chegar logo…?

Jesus: Sim… hoje… hoje mesmo…

Gestas: O que esse cara está dizendo?… Hoje?… Rá!

Jesus: Tenha confiança… Ainda estamos vivos… Deus não pode nos faltar agora… Hoje chegará seu Reino… Hoje…

Um homem: O que o profeta disse?

Uma mulher: Que o Reino de Deus chega hoje…

Outro homem: Que o Reino de Deus chega hoje…

Outra mulher: Que o Reino chega hoje…

Outro homem: Que o Reino chega hoje…

Correu de boca em boca o que Jesus disse. E todos nós, com o pouco de esperança que ainda nos restava, elevamos o rosto para o céu esperando que ele se abrisse de um momento para outro, esperando contra toda a esperança que o Deus de Israel, fizesse algo para impedir aquela injustiça. Mas o céu chuvoso continuava fechado sobre nossas cabeças como uma imensa pedra de sepultura…

Maria: João, por favor, diga a esses soldados que nos deixem passar… Quero ficar perto dele…

João: Venha, Maria, vamos…

Enquanto nós tentávamos nos aproximar do cordão de soldados que fechava o caminho até às cruzes, o grupo de familiares e empregados dos sacerdotes e magistrados do Sinédrio, os mesmos que haviam berrado na Torre Antônia pedindo a condenação de Jesus, chegaram ao Gólgota…

Um homem: Vejam só isso!… Então é hoje que chega o Reino de Deus? E este é o rei? E esse é o trono que ele encontrou!

Outro homem: Não dizem que curou tanta gente?… Vamos lá, médico, cure-se a si mesmo! Vamos ver se você consegue descer daí!

Zombavam de Jesus e riam de nós. Um deles pegou uma pedra e a jogou contra a cruz.

Um homem: Toma lá, por ser um embusteiro!

Outro homem: Profeta de piolhentos! Impostor!

Outro teve mais pontaria e acertou a pedrada no próprio rosto de Jesus… As pessoas, indignadas, se abaixaram para também pegar pedras que em seguida voaram de um lado e outro…

Centurião: Maldição, vou tirar todos daqui!… Soldados, dispersem o populacho!… Todos fora daqui, fora!!

O centurião romano, temendo novos distúrbios, ordenou desalojar todos da encosta do Gólgota onde nos espremíamos tanto amigos como inimigos de Jesus…

Soldado: Vocês já ouviram!… Todos fora daqui!

Maria: Por favor…

Soldado: Não pode passar, senhora. É uma ordem.

Maria: Por favor…

João: Tenha um pouco de pena, soldado. É a mãe dele.

Maria e Susana, e minha mãe Salomé, e a madalena e também Marta e Maria, de Betsaida, se aproximaram dos soldados. Eu também ia com elas…

Soldado: Está bem, podem passar, mas não façam alvoroço… Se não, eu os tiro daqui a bofetadas…

Maria, mordendo os lábios para não chorar, foi correndo até o pé da cruz… Sobre os paus, Jesus se esforçava para encontrar um alívio impossível… O corpo, totalmente crispado, se retorcia de dor… Mas não podia escapar dali…

Maria: Filho… filho…

Maria não pôde se conter. Abraçou-se ao pau negro que escorria sangue e colou a fronte nos pés de Jesus destroçados por aquele cravo de ferro… Jesus reconheceu aquela voz e, fazendo um enorme esforço, inclinou o rosto para ela…

Maria: Filho… meu filho… filho…

Jesus olhou sua mãe. Quis sorrir para ela, mas só conseguiu um esgar.

Jesus: Ma… ma… mamãe…

Logo percebi o olhar vidrado, quase perdido na agonia, fixando-se sobre mim…

Jesus: João… cuide… de minha mãe… cuide dela…

João: Sim, moreno, claro…

Não teve forças para dizer mais nada… As mulheres, ao meu lado, começaram a rezar baixinho, pedindo a Deus uma morte rápida para aliviar-lhe os sofrimentos…

Mulheres: Ajuda-o, Senhor, dá-lhe o descanso de todas as suas fadigas… Deus dos humildes, Deus dos pobres, dá-lhe o descanso de todas as suas fadigas…

Jesus: Deus!… Deus!… Por que o senhor me deixou sozinho?… Por que falhou comigo?… Por que tudo fracassou, por que?…

Fez-se um silêncio de morte. O rosto de Jesus estava arroxeado, as veias do pescoço incharam a ponto de estourar e começou ofegar em agonia… Sufocava-se…

Jesus: Água… água… tenho sede…

Um soldado pegou um trapo, molhou-no no vinho misturado com mirra, fincou-o na ponta de sua lança e o aproximou de seus lábios… Jesus apenas pôde prová-lo…

Jesus: Acabou-se… tudo se acabou…

A última inimiga já rondava por perto. As mulheres, pressentindo o final se aproximar, começaram a arranhar o rosto e arrancar os cabelos, batendo a fronte contra a terra empapada de sangue e água. Só Maria se aferrava ao pau negro da cruz com o rosto colado aos pés ensangüentados de seu filho…

Jesus levantou a cabeça. Ofegava… Tinha os olhos abertos e fixos no céu cinzento e silencioso. Não havia nenhum sinal… Sentiu uma dor atroz que lhe percorria todo o corpo… Mexeu-se num último espasmo cerrando os dentes… Não podia suportar aquilo nem mais um instante… Pendurado entre o céu e a terra, reuniu as últimas forças que lhe restavam…

Jesus: Pai… ponho a minha morte em tuas mãos… Pai! Pai!!

Foi um grito dilacerador… Depois, inclinou a cabeça. Todo o corpo desmoronou-se pesadamente sobre o madeiro… Era por volta das três da tarde da sexta-feira, 14 de Nisan.

*Comentários*

O Gólgota (palavra que significa “crânio”) ou Calvário (lugar da caveira) era uma pequena colina situada fora das muralhas de Jerusalém. Era costume realizar ali as crucificações. Os arredores daquele lugar serviam de cemitério. Havia várias tumbas particulares – em uma delas enterraram Jesus – e outras eram valas comuns para os corpos dos justiçados. A porta de Efraim, aberta na parte noroeste das muralhas, dava para o Gólgota. Como o lugar era um tanto elevado, da cidade podia-se ver as cruzes e nelas os crucificados. As execuções eram públicas. As autoridades procuravam fazer disso escarmento para todos os cidadãos. No caso de Jesus tentaram a todo custo evitar um amotinamento popular.

Na Jerusalém atual o lugar mais importante para os cristãos é a basílica do Santo Sepulcro, um enorme edifício que abarca o espaço onde esteve a colina do Gólgota e a sepultura de Jesus, muito próxima a ela. No interior da basílica, hoje excessivamente carregada, com muitos altares, imagens, capelas, pode-se ver parte da autêntica pedra do Gólgota. Diante do altar da crucificação pode-se inclusive tocar essa rocha, que foi impregnada com o sangue de Jesus. O lugar é de plena autenticidade histórica.

A morte na cruz foi usada pelos persas, pelos cartagineses e, em menor medida, pelos gregos. Foram os romanos que mais a empregaram, por considerá-la o suplício mais cruel que existia. Reservavam-no para os estrangeiros e somente em raras ocasiões se crucificava cidadãos romanos. Era a pena de morte sofrida pelos escravos. Os homens livres podiam ser crucificados por crime de homicídio, roubo, traição e, sobretudo, por subversão política.

Era costume desnudar os crucificados para assim aumentar sua humilhação. Era no chão que se lhes pregavam os braços ao pau transversal que eles mesmos deviam carregar até o local do suplício. Os cravos eram introduzidos nos pulsos, entre os dois ossos do antebraço. Se fossem cravados nas palmas das mãos, o corpo se desprenderia do patíbulo por falta de sustentação. Quando os braços estavam pregados, içava-se os réus com cordas para colocar a trave horizontal sobre a vertical, que já estava plantada no chão. Então eram pregados os pés, introduzindo-se os pregos no vão dos ossos dos tornozelos. A dor era indescritível. Finalmente, pregava-se a tabuleta de acusação no alto da cruz para que fosse lida por todos.

A cruz não era alta, como algumas que se vêem nas imagens. Era bem mais baixa. Os pés do justiçado ficavam a muito pouca distância do chão. Entre as pernas o madeiro tinha uma espécie de saliência para sustentar o corpo, que ficava assim meio sentado. Tentava-se com isso evitar o desmoronamento do réu para baixo. E isso não por piedade, mas para prolongar o mais possível seu tormento. Muitos crucificados permaneciam dias inteiros agonizando sobre a cruz à vista dos curiosos, rodeados de aves de rapina. Se Jesus morreu tão depressa foi porque ao chegar ao suplício, já estava desfeito pelas torturas. Geralmente, a morte dos crucificados acontecia por asfixia. A tensa e insuportável posição de todo o corpo ia dificultando cada vez mais a respiração e a circulação do sangue, até que chegasse inexoravelmente pela imobilidade a que estava submetido o moribundo.

Recolhendo os testemunhos dos quatro evangelistas, temos as “sete palavras” de Jesus na cruz, que foram suas últimas palavras nesta terra. A primeira delas – “Pai, perdoa-os…” – refere-se a um costume religioso de Israel. Por entender que toda morte tinha um valor de expiação (de perdão, de resgate), os delinqüentes eram ainda exortados antes de morrer a pronunciarem o chamado “voto expiatório” com uma fórmula que dizia “Que minha morte sirva de expiação de todos os meus pecados!” (Que Deus me perdoe). Jesus não diria isso. Reivindicou até o último momento sua inocência e não por orgulho ou cabeçudisse. Por isso, subverteu esta fórmula: Que Deus perdoe os assassinos, são eles que estão em pecado. Eles não sabem o que fazem.

Neste episódio, a segunda palavra reflete a esperança que Jesus manteve até o último alento de sua existência, de que Deus iria intervir de uma forma desconhecida por ele, mas tão eficaz que o libertaria da morte. Jesus esperou no Gólgota a irrupção libertadora do Reino de Deus, pelo qual havia lutado durante sua vida. Não se resignou ao desalento, não admitiu que Deus pudesse lhe falhar e esperava contra toda a esperança. Esse “hoje” de que fala seu companheiro de tormento indica a imediatez com que ia se dar a mudança que ele esperava. Até o final, Jesus foi um homem amante da vida, crente na vida. Essa vida que ele reclamava e esperava de seu Pai no meio da agonia.

A terceira palavra ele dirige a Maria sua mãe e a seu amigo João. É preciso ressaltar que no último momento, as mulheres foram mais fiéis a Jesus que os homens. Elas, as mais “frágeis” e as mais “covardes” segundo o dito machista, mantiveram-se em pé diante daquele torturado que agonizava, mostrando sua fidelidade a Jesus e arriscando-se à zombaria das autoridades, que o ridicularizaram até o último momento.

A quarta palavra é conservada em grego pelos evangelistas e às vezes dão sua tradução, como que para causar maior impacto no leitor, para fazer com que ele se detenha especialmente nesta frase. Jesus se sente abandonado por Deus, já não espera mais nada, experimenta toda sua vida como um fracasso. “Eli, Eli lema sabaktani” é a frase em grego. (Marcos a encabeça com a forma aramaica “Eloi, Eloi”). Jesus não chama a Deus como o fazia habitualmente: “papai” (Abba). Chama-o Deus. Sente-o longe, distante, calado. Com essas mesmas palavras inicia-se o Salmo 22. Os evangelistas nos estão indicando que na cruz Jesus rezou com esse impressionante grito de angústia e abandono deste salmo. Lendo-o podemos descobrir quais foram os sentimentos que teve seu coração antes de se arrebentar por causa daquela cruel tortura. Jesus, como todo homem, experimentou em sua consciência uma evolução, um crescimento. Sua fé também teve um desenvolvimento e ele soube o que eram as dúvidas, os altos e baixos, os temores. Esta quarta palavra na cruz é um dos momentos mais significativos para se apreciar a profunda humanidade de Jesus, o caminho de sua fé e de sua esperança, caminho difícil e doloroso.

A quinta palavra é um indicativo da sede espantosa que os crucificados sofriam e que era um dos maiores tormentos do suplício da cruz. A contínua hemorragia produzida pelos cravos desidratava o réu. Naquele momento ofereceram a Jesus uma droga para aliviar a dor. A sexta palavra – “Tudo se acabou” – indica a consciência que tinha da proximidade do fim. Jesus não perdeu a consciência. Embora extenuado pelas torturas, viu a morte chegar em plena lucidez. Sua última “palavra” neste mundo foi um grande grito (Mc 15, 37), expressão de uma dor suprema e também de sua suprema entrega nas mãos de Deus em quem confiava e a quem chamava de Pai. Para refletir esta fidelidade até o final, Lucas deu àquele grito inarticulado e terminal com que finalizou a vida de Jesus a forma de uma oração cheia de confiança (Lc 23, 46; Sl 31. 6).

Jesus morreu. Morreu realmente. Sua vida terrena deixou de existir. E quando morreu não sabia nem imaginava que Deus o ia ressuscitar. Não o podia imaginar porque no quadro de idéias de sua fé nem mesmo entrava esta crença em uma ressurreição “individual e imediata”. Se Jesus tivesse morrido sabendo que em poucos dias viveria novamente, sua morte não teria sido real nem humana nem dolorosa. Quando põe sua sorte nas mãos de Deus, crê Nele, espera Nele com a mesma fé e a mesma esperança com que na morte fazem todos os crentes, o maior ato de fé e de esperança de toda sua vida. E fazem às cegas, no meio da do