A RAINHA DOS CORAÇÕES (5)
Eles mataram Luther King. E agora ela tinha a vida de John Brown em suas mãos.
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DOUTORA Uma parada cardíaco…É tão fácil… uma parada cardíaca…
CONTROL GOLPE MUSICAL
NARRADORA A doutora Roberta Jones ficou horrorizada quando soube que John Brown, o homem a quem acabava de salvar a vida, havia participado no assassinato de Martin Luther King. Agora o tinha aí, indefeso, em suas mãos. E ela era dona de sua vida…
DOUTORA Bastaria com tirar-lhe o tubo de oxigênio e tapar-lhe minimamente o rosto com a almofada… Não haveria agonia nem luta… está tão débil.
NARRADORA A doutora Jones se sentia zonza, asfixiada. Tinha uma almofada entre as mãos e estava só com John Brown.
Suas costas bastariam para cobrir a cena e disimula-la, ainda em caso de que alguém entrasse de repente.
DOUTORA É muito fácil…muito fácil…
JOHN RONCO LEVE
NARRADORA A doutora negra mediu a violência de seu desejo. A profundidade de seu ódio vingativo para com os brancos. Deu uns passos…
(PASSOS)… e se deteve.
DOUTORA É o momento. Se o merece este maldito assassino.
NARRADORA Decidida, esticou a almofada e se aproximou aproximou lentamente da cama…
EFEITO PASSOS
JOHN GEMIDOS
DOUTORA Oh, Deus!… Está despertando.
NARRADORA John Brown abriu os olhos. Uns olhos pequenos e lacrimosos, asustados.
Um corpo ferido, um trapo. Um homem vulnerável como qualquer outro, como muitos outros.
DOUTORA (SUSPIRA) Miserável racista. Tens medo, não é verdade? Também eu tenho medo de meu ódio!
CONTROL MÚSICA DRAMÁTICA
NARRADORA Imediatamente….
DOUTORA (DÁ GARGALHADA) já sei… Isso mesmo!
NARRADORA A doutora Roberta Jones se sentiu incrivelmente ligeira, feliz. Deixou a almofada ao pé da cama e tomou o pulso ao paciente.
DOUTORA O vejo melhor, senhor Brown. Sabe onde o senhor está? Responda-me. Está com frio, fome?… É um lindo dia. Quer que abra a janela?
NARRADORA O forçou a manter uma conversa tranqϋila até que o paciente se sentisse melhor. Pronto, uma vez verificado o bom estado do enfermo, poderia marchar-se a casa. Mas antes se aproximou e lhe sorriu…
DOUTORA Tudo saiu muito bem bem, senhor Brown. Lhe temos transplantado um coração boníssimo.
JOHN GRUNHIDOS
DOUTORA Não deveria dizer-lhe, porque já sabe que estes dados são segredos. Mas teve você a sorte de contar com um doador jovem e são.
JOHN (DOLORIDO) O coração… de quem era… esse coração?
DOUTORA Escutem-me bem. Você leva o coração de um menino jovem e forte que morreu num acidente de moto.
JOHN Quem era?… Diga-me!
DOUTORA (IRÔNICA) Claro que lhe digo! Um jovem negro. O negro mais negro que já vi em toda minha vida. Um negro cor carvão. Você me entende, senhor Brown?
NARRADORA A doutora sorriu triunfante, enquanto John Brown se lhe fixava seus olhinhos azuis.
DOUTORA Lhe desejo que viva muitos anos com esse coraçãozinho negro dentro do peito. E agora, descanse. Até amanhã, senhor Brown!
CONTROL MÚSICA NEGRA ALEGRE
Adaptação do conto de Rosa Montero, Valores, Radio Nederland.