A RAINHA DOS CORAÇÕES (3)

Radioclip en texto sin audio grabado.

John Brown, homem branco, está sendo operado por Roberta Jones, uma doutora negra.

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EFEITO QUIRÓFANO

INFERMEIRO O paciente está pronto para o transplante. Começamos?

DOUTORA Sim. Comecemos.

NARRADORA Roberta Jones esqueceu seu passado e iniciou a operação. O paciente John Brown estava totalmente grogue enquanto a doutora cortava, asserrava, desencaixava e abria. Era um trabalho que requeria muita força física, mas para ela era um delicado milagre, um logro da sabedoria humana.

DOUTORA Aspire o sangue. Rápido. Controle a respiração…

EFEITO EQUIPEDICA

DOUTORA Tinha razão o pastor.

INFERMEIRO A que se refere, qual pastor?

DOUTORA Martin Luther King. Ele dizia que todas as pessoas somos iguais. Aqui se demonstra.

INFERMEIRA E como não!… O sangue deste branco é vermelho. Como o de todos os negros que passam por esta mesa de cirurgia.

DOUTORA Bom, sigamos…

NARRADORA A doutora conectou o paciente a uma máquina e ia trançando de cá para lá com dois corazções diferentes. A operação duraria algumas horas e requeria de uma total concentração. Qualquer dúvida poria em risco a vida de John Brown.

EFEIO ELETROCARDIÓGRAFO

DOUORA Pinzas…gases… linhas… Uff!… Terminamos. Vamos a fechar.

NARRADORA Por fim, a doutora e seus assistentes sorriram. Seus olhares brilharam humedecidas pela emoção. Sim, Roberta Jones já havia suturado. Havia unido o coração a suas novas veias.

EFEITO BATIDAS

DOUTORA Perfeito!.. Está batendo!

EFEITO SE FELICITAM

CONTROLSICA EMOTIVA

NARRADORA A doutora Roberta Jones se encontrava esgotada. Tirou seu uniforme , a bata verde empapada em sangue. Tudo parecia haver saíido bem, de maneira que se premiaria com um cigarrinho.

EFEITOSFORO

INFERMEIRO (SORRINDO) Doutora Jones!… Você fumando?

DOUTORA (RINDO) Algum vicio há que ter, colega. Sobre tudo depois de um transplante de coração.

INFERMEIRO Quem o diria, gente que morre e segue vivendo em outras vidas. Como o rapaz esse que rachou o crânio num acidente de moto.

DOUTORA Teve sorte este John Brown. O coração do rapaz ruivo da moto segue agora palpitando em seu corpo. Lhe salvou a vida.

NARRADORA A doutora Jones se estremeceu e apagou o cigarro. Ela, a negrinha depreciada e maltratada havia convertido em uma excelente profissional que amava seu trabalho, tinha dois filhos bons os quais ninguém pegava e uma existência bastante feliz.

DOUTORA (SUSPIRANDO) Bem, é hora de regressar a casa. Antes, darei uma última examinada ao paciente.

NARRADORA Se colocou uma bata esterilizada e entrou na sala de cuidados intensivos. Aí estava John Brown, com o peito cheio de pontos e de tubos e agulhas por todas partes, derrotado e dolorido. Imediatamente, sentiu uma olhada de compaixão.

DOUTORA Senhor Brown… Senhor Brown… Pode me ouvir?

NARRADORA O homem abriu seus pequenos olhos azuis. Apalpou, tentou tragar uma saliva que não tinha, e murmurou algo ininteligível.

JOHN MURMURIOS

DOUTORA Como disse? Não lhe escuto…

NARRADORA A doutora Jones se inclinou sobre o paciente e colocou sua orelha à boca entreaberta.

JOHN Puta… Negra puta…    

(ESTA HISTORIA CONTINUARÁ)

BIBLIOGRAFIA
Adaptação do conto de Rosa Montero, Valores, Radio Nederland