DEUS NA CONSTITUIÇÃO? (1)

Radioclip en texto sin audio grabado.

A Carta Magna de um país, a Constituição, é laica e não deve mencionar o nome de Deus.

SPOT 1

EFEITO AMBIENTE ASSEMBLÉIA

PRESIDENTE (3P) Vossa Excelência tem a palavra, deputado…

DEPUTADO Senhor presidente, minha proposta é bem clara. Na nova Constituição da República deve aparecer, tem que aparecer explicitamente o nome de Deus.

DEPUTADA Discordo, senhor presidente. A própria Constituição estabelece a liberdade religiosa.

DEPUTADO E o que tem uma coisa a ver com a outra?

DEPUTADA Que em nosso país há gente que crê em Deus, como Vossa Excelência, e pessoas que não crêem. Mas a Constituição é para todo mundo.

CONTROLE GOLPE MUSICAL

LOCUTOR A Carta Magna de um país, a Constituição, tem que ser laica para incluir a todos os cidadãos e cidadãs, sejam crentes ou não crentes.

CONTROLE GOLPE MUSICAL

DEPUTADO E, então, onde ponho o nome de Deus?

DEPUTADA Ponha em seu catecismo, senhor deputado. As crenças religiosas são assuntos de consciência e não de Constituição.

SPOT 2

EFEITO AMBIENTE ASSEMBLÉIA

DEPUTADA Peço a palavra, senhor presidente!

PRESIDENTE (3P) Com a palavra, deputada.

DEPUTADA Senhor presidente, tendo em conta que a maioria de nosso povo é cristão, proponho que na Constituição da República apareça o nome de uno e trino de Deus. Pai, Filho e Espírito Santo.

PRESIDENTE Mas Vossa Excelência, em nosso país há judeus, há budistas, islâmicos, bahais, de outras religiões…

DEPUTADA Mas os cristãos são a maioria. E em uma democracia, a maioria vence.

PRESIDENTE Em uma democracia, a maioria governa. Mas a Constituição deve garantir os direitos das maiorias e das minorias.

CONTROLE GOLPE MUSICAL

LOCUTORA A Carta Magna de um país, a Constituição, tem que ser laica. Não pode favorecer nem privilegiar a nenhuma religião.

CONTROLE GOLPE MUSICAL

DEPUTADA Pois eu acredito em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Amém, aleluia.

PRESIDENTE Pois continue acreditando, deputada, mas não imponha suacrença aos demais.

SPOT 3

EFEITO AMBIENTE ASSEMBLÉIA

DEPUTADO Senhores deputados, compreendam, se não pomos o nome de Deus na Constituição… estamos negando Deus!

DEPUTADA (RINDO) Não, Vossa Excelência, o nome de minha mãe também não aparece na Constituição e nem por isso eu nego minha mãe.

DEPUTADO Deixe de piadas, deputada. Nosso povo é de tradição cristã.

DEPUTADA Nosso povo também acredita nas tradições indígenas e nas africanas. Coloquemos, então, o nome de todos seus deuses.

DEPUTADO A única religião verdadeira é a que nos ensina a Bíblia.

DEPUTADA Essa é sua crença, nobre deputado. Mas a Constituição é laica. Entende?

DEPUTADO Vossa Excelência quer dizer atéia.

DEPUTADA Não, senhor. Ateu é quem nega a Deus. Uma Constituição laica
Não nega nem afirma, respeita todas as religiões, porque cada pessoa é livre para crer no que quiser.

CONTROLE GOLPE MUSICAL

LOCUTORA A Constituição de um país não é um livro religioso e não tem que invocar o nome de Deus.

DEPUTADO E onde o invoco, então?

DEPUTADA No templo. Em sua casa. Em seu coração.

UMA CONSTITUIÇÃO LAICA SEM O NOME DE DEUS?

Jesus de Nazaré foi um leigo. A palavra “leigo” vem do latim “laos” que significa “povo”. Leigo quer dizer “alguém do povo”, alguém que não está separado.

Os separados eram os sacerdotes. “Sacerdote” quer dizer “separado”, “reservado para Deus”. Mas Jesus não foi sacerdote. Não pertencia à tribo de Levi, excluída e excludente.

Alguns pretendem confundir “laico” com “ateu”. Nada disso. Ateu é quem não crê em Deus. Leigo é quem não mete Deus onde não deve. Por exemplo, Deus não é responsável pelas inundações na costa nem do assassinato de Franklin Aisalla em Angostura.

A Constituição do Equador não pode levar o nome do Deus cristão porque teria que levar todos os nomes divinos: Javé, Alá, Jeová, Shiva, Vishnú…

Dizem que no Equador a maioria é cristã. É certo. E que em um regime democrático a maioria vence. Isso já não é tão certo. Na democracia, a maioria governa. E ao governar, respeita às minorias. A Carta Magna (por isso chamada de Magna) deve servir a judeus, islâmicos, budistas, bahais… a todos os equatorianos e equatorianas, sejam crentes ou não crentes. A Constituição não é um catecismo. Ou é includente ou não é.

Curiosamente, quando Jesus proclamou sua “Constituição”, isto é, a Lei Suprema com que serão julgados todos os seres humanos, não mencionou o nome de Deus. Narra o Evangelho de Mateus no capítulo 25 que nesse último dia nos perguntarão se demos de comer ao faminto e de beber ao sedento, se ajudamos a nosso irmão, a nossa irmã, quando precisava de nós. O verdadeiro nome de Deus é o Próximo.

A Constituição de 98 invocava o nome de Deus em seu preâmbulo, mas não serviu para dar de comer ao faminto nem de beber ao sedento.

Uma Constituição laica, sem menções divinas, e mais próximas do pensamento de Jesus de Nazaré, que também foi leigo. Que em sua mensagem incluiu todas as pessoas, até os samaritanos, os “ateus” de seu tempo. Que nem sequer em sua “regra de ouro” mencionou o nome de Deus (tratem aos demais como querem que os tratem, Lucas 6,31) porque sabia de sobra que a boa árvore é reconhecida por seus frutos e não pelo nome.

José Ignacio López Vigil

BIBLIOGRAFÍA
Jesús de Nazaret fue un laico.