FECHE OS OLHOS, MARICA! (1)
Uma crônica sobre a homofobia em Caracas.
EFEITO CARRO EM MOVIMENTO
NARRADORA Naquela noite, Yonatan Matheus tem um palpite de que morrerá. Cada segundo que passa parece ser o último. Agora está de joelhos e com os olhos fechados. Seu corpo treme e o suor corre frio por seu pescoço. A ordem tinha sido contundente e definitiva:
POLICIAL Não olha e baixa a cabeça.
NARRADORA Yonatan não chora. Não pode, não deve. Tinha prometido ser forte. A pistola o aponta de novo e a frase volta a repetir-se:
POLICIAL Verá o que vai te acontecer por ser marica.
NARRADORA Está claro: o momento está por chegar.
CONTROLE MÚSICA DRAMÁTICA
NARRADORA Sucedeu na noite de 25 de setembro de 2010. Vestido de uniforme laranja e com um bolso repleto de folhetos e preservativos, Yonatan tinha saído para cumprir com sua habitual percurso das sextas-feiras pela Libertador, a avenida que atravessa Caracas de leste a oeste.
EFEITO TRÁFICO
NARRADORA Como membro da ONG Venezuela Diversa, tinha mais de um ano visitando aos transexuais e trabalhadoras sexuais da conhecida via principal da capital.
MULHER (2 P) Ei, Yonatan, venha aqui!… ¡Yonatan!
NARRADORA Todos conheciam a esta espécie de pregador que lhes falava sobre a proteção e a prudência sexual. Esse era seu trabalho. No entanto, desta vez algo mais o havia levado até lá. Uma semana antes, vários disparos haviam terminado com a vida de Nathaly, uma das transexuais.
HOMEM Não, não foi para roubar nada. Mataram Nathaly por ódio. Por discriminação.
NARRADORA Por mais perturbadora que fosse a notícia, não surpreendia. Em 2009, só nesta avenida, cinco transexuais foram assassinadas. Venezuela Diversa conhece bem essa conta: várias denúncias sobre violações, maus-tratos e chantagens a este grupo social repousam nos expedientes da ONG. Naquela noite, Yonatan procurava informação sobre o último assassinato.
EFEITO CARRO POLÍCIA FREIA, PORTAS QUE SE ABREM
NARRADORA Já estava concluindo sua jornada. Conversava sobre Nathaly, a vítima mais recente, com uma de suas colegas de trabalho na Libertador, quando um camburão da Polícia Metropolitana estacionou a poucos metros dele. Do veículo desceram nove pessoas. Todos, com as pistolas na mão e gritando…
POLICIAL Contra a parede já!… Venha cá seu marica!
YONATAN Espere!… Pertenço a uma organização de direitos humanos.
POLICIAL Direitos humanos uma merda. Você vem com a gente.
NARRADORA A empurrões, meteram Yonatan no camburão.
VÁRIOS Esperem aí!… Por que o estão levando?… O que ele fez de mal?
POLICIAL Fora daqui!… Não defendam este safado.
EFEITO CARRO DA POLÍCIA COM SIRENE QUE SE AFASTA
CONTROLE MÚSICA DRAMÁTICA
NARRADORA Subiram no veículo. Arrancaram. Já eram mais de dez da noite. Sete dos policiais, entre eles uma mulher, faziam companhia a Yonatan na parte traseira do veículo, uma espécie de jaula. Ali também tinham detido a um jovem de uns 14 anos. Sua roupa era suja e seus olhos avermelhados. Ele também estava na avenida Libertador.
POLICIAL Você é um marica de merda. Você é o alcaguete que fica espalhando besteira por aí e fica tirando a gente.
NARRADORA Um dos policiais levantou sua arma e a apontou. Yonatan, com o coração acelerado, tentou falar para defender-se.
YONATAN Mas eu…
POLICIAL Cale-se!
NARRADORA Sabia que não devia insistir ou desobedecer.
POLICIAL E você é quem, pivete?… Na certa é o marido deste. Fala!
NARRADORA O policial apontava agora para o menor de idade.
JOVEM CHORA
POLICIAL Ai, olha só… está chorando. Está cagado. Você, coloque o para tossir sangue para saber quem é que manda. Este maldito está drogado. Ensine quem manda aqui.
EFEITO GOLPES
NARRADORA A ordem foi cumprida. Os golpes fizeram afogar o choro do adolescente. Nenhuma das súplicas acalmou o policial.
POLICIAL E você, feche os olhos, marica de merda…
NARRADORA Com as pálpebras apertadas, Yonatan ouvia os gritos. Queria chorar, mas fazia o possível para manter a calma. Sabia que depois iriam espancá-lo.
CONTROLE MÚSICA DRAMÁTICA
LOCUTOR Esta crônica continua.
Esta crônica foi ganhadora do primeiro concurso Novos Cronistas da Escola de Comunicação Social da Universidade Central da Venezuela, fevereiro 2011.