O DIA EM QUE AS MULHERES DESAPARECERAM

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Um conto cusquenho.

CONTROLSICA ANDINA

NARRADOR Casinhas brancas com teto de palha rodeam a única praça de Mollepata.

EFEITO CAMPAINHAS

NARRADOR Em frente, a igreja de alto campanário. Ao lado, a casa Comunal e escolinha primária. Em meio de um bosquesinho de eucaliptos, o antigo cemitério. Mais além rodeando ao povoado, as chácaras de batatas prontas para colheitas.

EFEITO OVELHAS

NARRADOR Os campos dourados de trigo, as ovelhas como copos de Algodão, entre as espigas maduras. No céu serrano, azul transparente, revoam os algamaris e os quilichos. E dominando a paisagem, impondo sua nevada presença, o grane morro Salkantay.

MARIDO Havias de sair logo a cuidar das ovelhas, ah? Com a wawa mais, pois. Rápido, pois, rápido.

MULHER (3 P) Sim, sim, agorinha vou!

MARIDO e a tempo levará minha merenda, ah?… Não vá demorar, não vá demorar!

MULHER Sí, Julián, sí.

MARIDO e aos varõesinhos mandará a sua escola.

MULHER Sim, sim, agorinha, agorinha…

NARRADOR A vida começa muito cedo em Mollepata. As mulheres, antes de sair ao campo a pastorear as ovelhas, preparam a carne seca e as favas que seus maridos levarão a chácara. A fumaça que sai das casas, cheirando a romero, faz esquecer qualquer mal sonho da véspera. Tudo está em órdem no povoado. Todos — e todas— ocupam seu lugar.

CONTROLSICA DE TRANSIÇÃO

NARRADOR UM dIa, eM plena coselheita os homens daquele povoado receberam a visita de uma anciã.

HOMENS AMBIENTE

ANCIÃ Papaizinho, papai…

MARIDO Que acontece, quem?

ANCIÃ Caminhando venho de longe… Um matezinho dá-me para minha sede… Uma canjinha para minha fome…

MARIDO Que coisa?… Quem é, pois, você , velha?… Estou trabalhando, Não percebe?… Já, saia, saia, não me incomodes… Para pedir sim sirva!… Saia, Saia, por acaso não tem marido que te mantenha?

ANCIÃ Agüinha ainda que seja dá-me… Um pouquinho nada mais, pois…

MARIDO Farta água há na quebrada… Aí pode tomar bastante, Não?… Saia, saia!

HOMEM 2 E te lavará tambémn!… (RISADAS)… Estás suja, velha, cuchi pareces!

ANCIÃ Estou muito cansada… Que lhes custa ajudar-me?

MARIDO Carai, mulher tinha que ser para viver pedindo!…Nao tem mãos para trabalhar?

HOMEM 2 Mulheres inúteis haviam de ser!… Fora, fora, saia já daqui! (A ESPANTA)

CONTROLSICA TRISTE

NARRADOR A anciã, pequena e coberta de farrapos, levantou pela primeira vez os olhos e olhou fixamente aqueles homens de coração duro. Imediatamente, sua figura pareceu crescer iluminada pelos raios do sol que já se escondia trás do monte Salcantay. Uma vez mais, falou.

ANCIÃ Por velha me depreciaram. Às mulheres não sabem respeitar. Riam-se agora. Um dia, aprenderão. Quando ficarem só. Seus filhos chorarão. Amor de mulher lhes faltará.

NARRADOR A anciã se afastou lentamente para a montanha nevada. Nunca mais se soube dela. Ninguém mais a viu nem recordou suas palavras.

EFEITO GRILOS

NARRADOR Até que uma noite…

VARIAS MULHERES (MEIA VOZ) Lentamente… Chama às demais… Que saiam ao caminho… Para o monte… Para o monte… Rapidinho… Caladinho vamos… Vamos…

NARRADOR Todas as mulheres do povoado desapareceram. As mães carregando suas filhas. As avós da mão de suas netas. Jovens nem anciãs, nenhuma ficou. Se perderam na obscuridade do caminho que sai do vale para o grande Salcantay.

CONTROLSICA DE MISTERIO

EFEITO GALO

NARRADOR Um sol esplendoroso brilhou mais cedo que nunca. Sem dúvida, o ar estava espesso, como se o vento se houvera detido e a terra se houvera secado repentinamente.

MARIDO (DESPERTANDO) Eh… Lúcia… onde estás? Onde se haverá metido esta mulher?

NARRADOR Se levantou esquisito. Sua mulher não havia acordado do seu lado.

MARIDO Lúcia!… Lúcia!… Nem na cozinha está… Lúcia!… Nem a wawa está em sua caminha… Mas, onde se meteram estas mulheres, onde?

NARRADOR Buscou em toda a casa. Buscou no curral… (Lúcia, Lúcia!) … no horto. Nada. Não estavam. O homem ficou calado, tratando de escutar algum indício….

EFEITO PRANTOS BEBE AO LONGE

NARRADOR Só ouviu pranto de meninos nas outras casas. E a seu próprio filho que despertava. Saiu correndo a despertar os vizinhos…

MARIDO Compadre, compadre!… Viu a comadre?

HOMEM 2 Não, a minha senhora também estou procurando…

MARIDO Como, procurando?

HOMEM 2 Não amanheceu aqui tampouco, não está…

MARIDO Onde estarão nossas mulheres, onde? Onde se meteram?

HOMEM 2 Vamos buscá-las, vamos!

MARIDO E HOMEM 2 Lúcia!… Juanacha!… Lúcia!… Juanacha!

NARRADOR Buscaram e buscaram, mas não encontraram a nenhuma. Como se a terra as houvera tragado…

VARIOS HOMENS SE LAMENTAM

MARIDO Por todas partes olhei… Minha mulher não vi… Minha filhinha tampouco está… Ai, minha Lúcia, onde, pois, estarás, mulher?

HOMEM 2 Problema nos fazem!… Perdendo o tempo estamos! Como pode ser? Nenhuma está. Todinhas se foram.

MARIDO A velha!… Terá sido ela!… A velha… Diabo seria tal vez!… Ela nos tirou as mulheres…

HOMEM 2 Que estás falando, de quem estás dizendo?

MARIDO A velha… a velha!

NARRADOR Pasaram os dias. E as mulheres não regressavam os homens de Mollepata, preocupados, fizeram uma reunião na praça do povo.

VARIOS MURMURIOS

MARIDO Já não podemos seguir assim!… Não há quem faça a comida!… Todinhas as wawas estão abandonadas!

HOMEM 2 Temos procurado a elas!… Pela quebrada não estão… Pela montanha tampouco… Perguntaremos aos caminhantes… Eles conhecem todos os lugares… Noticias terão… Devem saber…

NARRADOR Voltaram a suas casas todavia mais preocupados. Os homens tinham agora que cozinhar, lavar, atender aos meninos, cuidar dos animais, trabalhar a chácara, catar lenha, pastorear gado… Estavam cansados. Não podiam com tudo. Aos que passavam, averiguavam…

MARIDO (3 P) Viajante!…. De onde vem?… Viu a nossas esposas, a onzas filhas?

HOMEM 3 (4 p) Nenhuma mulher há!… Pelos caminhos, só animais!

CONTROLSICA DE TRANSIÇÃO

EFEITO MENINO CHORA DE FUNDO, PORCO

MARIDO Pucha, o cuchi me está comendo o mote… Fora, cuchi, fora, fora!… Aí vou, filhinho, aí te dou tua sopinha!… No chores, pois, já não chores…As galinhas têm fome já… Ao curral saiam… Saiam, … Cala-te, pois!… Que faço com esta wawa?

CONTROLSICA TRISTE

NARRADOR Muitas coisas aconteceram em Mollepata. Os meninos adoeceram. Os homens não sabiam como cuidar deles. Se romperam as ondas. Se perderam as galinhas. Os gatos e cachorros fugiram de casa e começaram a roubar de tanta necessidade.

MARIDO Meu Juancho já não tem roupa… Sua mãe sabia costurar para nós… Os trigais estão cheios de ratos… Com praga estão…

NARRADOR Os campos estavam sem cultivar… As sementes de batatas se estragaram… Não haviía quem faça a chicha para acalmar a sede nos dias de faena… E a herva começou a crescer nos tetos das casas.

VARIOS CHORAM

MARIDO Ai, ai, se morreu meu wawito!… Pobrezinho meu filhinho!… Sua mãe não havia estado para curar-lhe!…Ai, ai, ai!… Taitico se ficou sem mãe!… Anginho!…

EFEITO VENTO

NARRADOR Assim passaram os dias, os meses, os anos. Aquele povoado parecia um cemitério. Nunca mais se ouviram risadas nem cantos. Tudo era tristeza. Os que havaim sido meninos eram já grandes. E não nascciam outros porque não havia mulheres. E aqueles homens, que já tinham a cabeça coberta de branco, olhavam cada amanhecer ao horizonte aguardando a suas mulheres, esperando vê-las chegar pelo solitário caminho que baixa do monte Salcantay.

EFEITO ESTRONDOS

NARRADOR Dizem que nas noites de tormenta, quando o céu parece abrir-se sobre o vale, os homens de Mollepata têm maus sonhos, e acreditam escutar a uma anciã que lhes fala com dureza.

ANCIÃ Esse dia ficarão sós. Amor de mulher lhes faltará.

NARRADOR E dizem que em outras noites, quando o céu se despeja e reluzem as primeiras estrelas, ouvem outra voz, a voz antiga do Apu Salcantay, senhor do grande monte nevado, que lhes pede um pagamento à terra para apagar a maldição. Uma oferenda de respeito.

BIBLIOGRAFIA
Conto de creação coletiva do CADEP, Cusco, Peru. Uma produção da Red Rural del Centro Flora Tristán.