UMA SEMENTE NÃO É UMA ÁRVORE
Aos seis meses de gravidez se estruturam as conexões cerebrais que nos permitem pensar e ter consciência.
LOCUTOR A seguir, nosso habitual espaço “O consultório sexual da doutora Mirales”.
CONTROLE CARACTERÍSTICA CONSULTÓRIO
DOUTORA Amigas, amigos, como vai a vida? Bem? Alegro-me. E também me alegro de continuar conversando com vocês sobre este tema difícil, o tema do aborto. Um tema que temos que esclarecer porque há muito medo e muitos sentimentos de culpa nas mulheres que tiveram que enfrentá-lo… As chamam assassinas, mães desnaturadas, as mandam primeiro para a cadeia e depois ao inferno…
EFEITO TELEFONE
DOUTORA Sim, diga-me?
MULHER E não são assassinas, doutora?
DOUTORA Quem, as mulheres que interrompem a gravidez?
MULHER Sim. Porque, na minha opinião, quem elimina voluntariamente uma vida humana está assassinando.
DOUTORA Claro, minha senhora, mas a questão, como dizíamos no outro consultório, é averiguar quando começa a vida humana. Esse é o assunto.
EFEITO TELEFONE
DOUTORA Alô, com quem tenho a honra de falar?
ALVAREZ Com o doutor Álvarez. Sou biólogo.
DOUTORA Que sorte a minha e a de nossos ouvintes… Vejamos se o senhor nos esclarece, doutor Álvarez, quando começa a vida humana.
ALVAREZ Bom, nos fizeram pensar que a vida humana começa quando um espermatozóide masculino entra em um óvulo feminino.
DOUTORA Isso dizem e repetem, sim.
ALVAREZ Mas essa é uma visão muito materialista, muito pouco científica.
DOUTORA E qual é a visão científica? Explique-nos.
ALVAREZ Como a senhora sabe, doutora Mirales, um embrião de dois ou três semanas é apenas um pontinho… o ponto que a senhora faz com um lápis é maior que esse embrião… Diremos que esse ponto é uma vida humana?
DOUTORA O que dizem, doutor Álvarez, é que esse ponto, essa sementinha, é já um ser humano “em potência”.
ALVAREZ Acontece que todas as células do meu organismo e do seu são vida humana “em potência”. Eu posso tomar uma célula do meu nariz e a partir do código genético que encerra posso clonar, posso fabricar um ser humano.
DOUTORA Vou fazer o papel de advogado do diabo, da advogada da diaba…
Essa sementinha, essa e não outra, essa sementinha que está no ventre materno, se a deixarmos crescer, chegará a formar um ser humano… Então?
ALVAREZ Respondo com seu próprio exemplo, doutora. Quando a senhora toma um suco de laranja, joga as sementes fora, não é? Todas essas sementes são árvores “em potência”. Se as semearmos e deixarmos crescer, teríamos um bosque de pés de laranja. Mas não vamos dizer que jogar as sementes fora é o mesmo que cortar um bosque, não é mesmo?
DOUTORA Quer dizer, uma semente não é uma árvore. E um embrião humano não um bebê.
ALVAREZ Exato.
DOUTORA Doutor Álvarez, e o que diz, então, a ciência? A partir de quando podemos falar que já é um ser humano?
ALVAREZ Há diferentes opiniões, claro. Mas cientistas como Carl Sagan dizem que nas primeiras doze semanas, isto é, nos três primeiros meses de gestação, não se pode falar de um ser humano porque ainda não se estabeleceram as conexões cerebrais que são as que nos fazem humanos.
DOUTORA Será por isso que em muitíssimas legislações autorizam interromper a gravidez nesses dois ou três primeiros meses.
ALVAREZ Imagine, é a partir dos seis meses que o cérebro começa a fazer conexões, e essas conexões são as que nos permitirão pensar e ter consciência… as que nos fazem seres humanos.
DOUTORA Muito obrigada, doutor Álvarez. Qualquer dia nós ligaremos para o senhor para que continue nos esclarecendo as coisas.
ALVAREZ Eu é que agradeço, doutora Mirales. Saiba que estamos às ordens.
DOUTORA Muito bem, mulheres que me ouvem, especialmente aquelas que tiveram que recorrer alguma vez a um aborto pelas razões que só vocês conhecem bem, não se sintam culpadas nem condenadas, como se tivessem cometido um assassinato… Nada disso. Sabem de uma coisa? No próximo consultório vamos analisar alguns casos nos quais o aborto está perfeitamente justificado. Não percam. Até a próxima, minhas amigas, e meus amigos também!