A INVEJA DOS DEUSES

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De como Nantu e Turati, os primeiros humanos, descobriram a maravilha do amor.

CONTROLESICA DE SELVA

NARRADORA Contam os anciãos nas vésperas de boda. Quando um casal de jovens vai juntar suas vidas, os mais velhos das tribos amazônicas se reúnem na noite ao redor do fogo. E mergulhando em suas memórias, evocam a história de Nantu e Turati.

ANCIÃO Não havia homem nem mulher sobre a terra. Eles dois foram os primeiros. E como não existia ninguém mais no mundo, os segredos do amor não lhes haviam sido revelados.

NANTU Vamos ao rio, Turati, vamos nadar… Corre, siga-me!

ANCIÃO A selva era generosa com eles. Comiam de seus frutos, visitam da casca das árvores. Os animais lhes ensinavam os caminhos escondidos, os peixes-boi de águas cristalinas e a conhecer as ervas misteriosas com que se curam as feridas. Mas Nantu e Turati estavam sós. E viviam como irmãos.

NANTU Os pássaros são muitos, parecem nuvens no céu. Os peixes enchem os lagos e os rios. Por que não existem outros como você e como eu, Turati?

TURATI Não sei, Nantu, não sei.

NARRADORA Passaram muitas luas. Nantu ia tomando formas de mulher. Turati também

  crescia. Suas costas largas e fortes mostravam que já não era um menino.

EFEITOS RUIDOS DE SELVA

NARRADORA Um dia, assombrados, o primeiro homem e a primeira mulher se olharam como se nunca antes tivessem se visto. Como se se descobrissem pela primeira vez.

TURATI Nantu, o que você tem entre as pernas?… Você se cortou?

NANTU Não, sempre fui assim.

TURATI É uma chaga aberta. Você está ferida.

NANTU Não, Turati…

TURATI Eu vou te curar. De hoje em diante você não vai comer mandioca nem banana da terra nem nenhuma fruta que se rache ao madurar. Deite-se na rede e descansa.

NARRADORA A jovem obedeceu. Com paciência bebeu poções de ervas. Se deixou aplicar pomadas e unguentos. Mas a ferida não fechava.

TURATI Não te preocupes, Nantu, eu te curarei.

NARRADORA Nantu apertava os dentes para não rir. E embora gostasse do jogo, já começava a ficar cansada de viver em jejuns e deitada na rede…

NANTU Turati, de-me uma fruta doce.

TURATI Espera, Nantu, espera…

CONTROLESICAGICA

NARRA Foi em um entardecer já sem sol, uma tarde de selva ainda com o horizonte inundado de lampejos vermelhos e laranja, como simulando uma imensa fogueira. Turati veio correndo até ela.

TURATI Nantu, Nantu!

NANTU O que foi, o que você tem?

TURATI Eu os vi, Nantu. Agora já sei.

NARRADORA Turati acabara de ver o macaco curando a macaca na copa de uma árvore.

TURATI É assim, Nantu, é assim…

CONTROLE SOBESICAGICA

ANCIÃO Dizem que quando terminou o longo abraço, um aroma espesso de flores e frutas invadiu o ar. Dos corpos que jaziam juntos se desprendiam vapores e fulgores jamais vistos. E era tanta sua beleza que morriam de inveja os sóis e os deuses.

BIBLIOGRAFÍA
Eduardo Galeano, Memoria del Fuego, Los nacimientos, Siglo XXI, Madrid 1982. Adaptação radiofônica do mito.