MARIDO OU TORTURADOR?

Radioclip en texto sin audio grabado.

Te bato, te peço perdão, volto a bater e a violar, peço perdão…

LOCUTOR A seguir, nosso habitual espaço “O consultório sexual da doutora Mirales”.

CONTROLE CARACTERÍSTICA CONSULTÓRIO

DOUTORA Amigas, amigos, como estão? Passando bem? Pois me alegro porque para isso estamos nesta vida, para ser felizes, para amar, para desfrutar os anos que nos restam por viver, como diz a canção. Conto-lhes que no consultório da página de Radialistas já recebi muitas perguntas e tenho respondido todas… Mas agora me diz o técnico que tenho uma ligação urgente… alô? Com quem tenho a satisfação de falar?

MULHER Alô, doutora… Desculpe que a incomode, doutora, mas é que eu não sei a quem recorrer…

DOUTORA Não se preocupe, diga-me em que podemos ajudá-la…

MULHER Doutora, eu preciso de um conselho seu. Eu preciso.

DOUTORA Conte-me o que houve, minha amiga…

MULHER Sabe, doutora, eu fui viver com um homem que parecia bom, que dizia que me amava…

DOUTORA E o que aconteceu com esse homem?

MULHER Eu não sei, doutora, não sei como explicar, mas desde que fiquei grávida, começaram os problemas…

DOUTORA Problemas de que tipo?

MULHER Gritos, ameaças… Ele se tornou raivoso, parecia um cachorro latindo quando voltava do trabalho…

DOUTORA Bateu em você?

MULHER Uma noite, doutora, veio chutando a porta. Eu estava dormindo e com mal-estar da gravidez… Ele nem se importou, começou a insultar-me, a bater no meu rosto, até na barriga ele bateu… e depois, violou-me…

DOUTORA Disse bem, violou-a. Porque ainda que seja teu companheiro ou teu marido, se trata de uma violação.

MULHER Pela manhã, doutora, antes de ir-se ao trabalho, me viu com a cara toda inchada, e me perguntou: O que você vai dizer quando os vizinhos te virem? Diga que caiu na banheira.

DOUTORA Que cínico…

MULHER E assim o fiz, doutora. Encontrei com a minha irmã na rua e ela me perguntou. Disse a ela que cai na banheira.

DOUTORA E ela acreditou nessa história?

MULHER Não, doutora, não engoliu. E eu, chorando. Foi ela que me disse: denuncie, esse canalha tem que pagar.

DOUTORA E então?

MULHER Nada, doutora, porque eu estava como cega. Disse a minha irmã que foi um momento ruim que ele teve, mas que já me pediu perdão, que não ia voltar a fazer.

DOUTORA Fez o que te fez… e você o perdoou?

MULHER Mas essa foi só a primeira. Como pegou gosto em me bater. Me batia, subia em cima de mim… fazia tudo o que queria… E depois, quando terminava, me tirava da cama… Eu me encolhia no chão, chorando. Mas ele abria a porta, me puxava pelos cabelos e me tirava do quarto. Sai, vá embora da minha casa, que não vale nem como puta. Me desculpe a palavra, doutora, mas ele falava assim.

DOUTORA A palavra eu desculpo. O que não desculpo é que ainda não ido denunciá-lo.

MULHER Eu era tão idiota, doutora, que pensava: “se eu não tivesse feito isto, se eu não o tivesse irritado…” E me sentia culpada, sem ter feito nada.

DOUTORA Desculpe-me, amiga, mas…

MULHER Preciso do seu conselho, doutora.

DOUTORA Você não precisa de nenhum conselho, amiga. O que você precisa é recolher a tua roupa e sair dessa prisão. Denunciá-lo à polícia. O homem que faz isso é um delinquente.

MULHER Mas, para onde vou, doutora? Além disso, eu estou grávida…

DOUTORA Para qualquer parte. Para casa da tua irmã. Para defensoria da mulher. A uma casa de acolhida para mulheres maltratadas. Onde quer que seja, mas saia. Isso é o que posso te dizer.

MULHER Mas, doutora, ele me prometeu que vai mudar…

DOUTORA Esses animais não mudam, menina. Quer dizer, mudam sim, mas para pior. Para se tornarem mais selvagens. Prestem atenção, mulheres. Escapem hoje mesmo, agora mesmo. Já lhes bateram, lhes pediram perdão e voltaram a bater, a violar… É o círculo de la violência. Escapem. Escapem e denunciem. Despeço-me hoje com tristeza e com raiva por tantas mulheres maltratadas que se resignam a essa vida de violência. Até a próxima, amigas e amigos!

               VISITE O CONSULTÓRIO SEXUAL DA DOUTORA MIRALES 

BIBLIOGRAFÍA
Nuria Varela, Íbamos a ser reinas, Ediciones B, España, 2002.