O ARMAZÉM DA INFÂNCIA
Papai, só peço o seguinte: a cortina dos entardeceres e…
CONTROLE HOSPITAL, SALA DE PARTO
EFEITO CHORO BEBÊ
NARRADORA O pai tinha esperado ansioso a chegada de seu primeiro filho.
MÃE Olha, meu amor, é um menino tão lindo…
PAI Sim, é um menino homem. O herdeiro da família. Quando for grande, meu filho, toda minha fortuna será tua. O que me pedir te darei. E, sobretudo, te ensinarei a negociar para que prosperes na vida como eu prosperei.
NARRADORA O pai, um negociante vaidoso, pensava que tudo podia
ser comprado e vendido.
CONTROLE RÁFAGA
NARRADORA Passou o tempo e chegou o momento tão esperado pelo pai.
PAI Meu filho, você já é grande. Peça-me o que quiser.
FILHO Mas são tantas coisas as que quero, papai…
PAI Não importa. O que me pedir, te darei.
FILHO Pois… aqui tens minha lista de petições…
PAI Vamos lá… deixa eu ver…
EFEITO PAPEL
NARRADORA O pai leu aquele papel, franziu a testa, caminhou de um lado a outro sem entender nada…
CONTROLE MÚSICA EMOTIVA
FILHO (REBER) Papai, só peço o seguinte: A cortina dos entardeceres, a chave do sol, e também um aerólito…
PAI … as casquinhas que sentiram na boca do estômago os astronautas que desceram pela primeira vez nas planícies da lua…
FILHO … o bosque dos abraços, um curso de idiomas para saber o que diz a dança das caldas dos cachorros
PAI … as línguas de água que murmuram nos troncos das árvores e as palavras fosforescentes que cantam nos olhos dos gatos
FILHO … a corrente elétrica gerada pelos beijos, um mouse de computador que me ensine a evitar as ratoeiras das respostas e que em troca me conduza sempre ao queijo das perguntas
PAI … e um pouco do som do mar com a possibilidade de colocá-lo no interior de uma concha de caracol. (MUDA) Mas filho… eh… que…
NARRADORA O homem não soube o que fazer porque essas coisas não se compravam nem vendiam em parte alguma. Então, sua mulher, que estava ouvindo a conversação, se aproximou e lhe tomou a mão…
MÃE Vem, meu amor, eu sei onde encontrar todas essas coisas…
PAI Sim?… E… onde?
MÃE No armazém da infância.
Conto original de Jairo Aníbal Niño, poeta colombiano.