O SONHO DO PONGO (1)

Radioclip en texto sin audio grabado.

CONTROL INSTRUMENTAL

NARRADORA Um homemzinho se encaminhou à casa-fazenda de seu patrão . Ia a cumprir o horário de pongo, de servente na grande residência. Era pequeno, de corpo miserável, de ânimo débil. E suas roupas velhas, rasgadas…

EFEITO PASSOS, AMBIENTE RURAL. LOGO, RISADAS EM 3 P

NARRADORA O grade senhor, o patrão da fazenda, não podia conter a risada, quando o homemzinho se apresentou no corredor da casa…

PATRÃO (RINDO) Mas, quem é você … é gente ou outra coisa?… Que acontece contigo?… Não sabe falar, não tem língua?… Fala, que lhe digo!… (SE RI)… Bom, pelo menos, saberá lavar ondas… ou varrer com a escova… Pongo é, venho servir sem cobrar… Vamos ver, você, os outros serventes… levem-se este lixo daqui!

NARRADORA O homemzinho, ajoelhando-se, beijou as mãos do patrão . E logo, seguiu os serventes até a cozinha.

CONTROLSICA ANDINA

NARRADORA O homemzinho não falava com ninguém. Trabalhava calado. Comia em silêncio. Tudo quanto lhe ordenavam fazer, o fazia.

PONGO Sim, meu senhor… Sim, papaizinho…

NARRADORA Havia espanto em seu rosto. Havia medo. Alguns serventes achavam engraçado em vê-lo assim. Outros o lastimavam.

COZINHEIRA Órfão de órfãos…seus olhos são frios como o vento da lua…Seu coração é pura tristeza …     

NARRADORA Talvez por ter essa expressão de espanto no olhar, ou pelos farrapos com que se cobria… ou talvez por que não queria falar, o patrão sentiu um especial desprezo por aquele homemzinho

EFEITO GRILOS, MURMURIOS

NARRADORA Ao anoitecer, quando os serventes se reuniam para rezar a avemaria no corredor da fazenda, o patrão martirizava o pongo diante de toda a servidão… O empurrava a cabeça e o obrigava a que se ajoelhasse… E assim, quando já estava fincado, lhe dava tapas suaves na cara…

PATRÃO Acredito que você é um cachorro… Vamos ver, late… que ladra te lhe ordenei!… Tão pouco sabes?… Ponha-se de quatro patas… Vamos, trota de costa como os cachorrinhos… Shhs… Shss… Muito bem. Agora, volte… Assim, assim…

NARRADORA Chutando-o com a bota, batendo de leve, o patrão derrubava o homemzinho sobre o piso de ladrilhos do corredor.

PATRÃO Caramba, este traste de índio não serve para nada… (MUDA O TOM) Bom, e agora todos a rezar a ave Maria. Vamos!

VOZES REZANDO Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco…

NARRADORA O pongo se levantava então do chão e saía do corredor. Não podia rezar porque não estava no lugar que lhe correspondia. Nem esse lugar correspondia a alguém.

CONTROLSICA DE TRANSIÇÃO

NARRADORA E assim, todos os dias, o patrão fazia batia no homemzinho diante dos demais serventes. O obrigava a sorrir, a fingir pranto, se divertia com ele.

CONTROLSICA EMOTIVA

NARRADORA Mas uma tarde, à hora da ave Maria, quando o corredor estava cheio com todos os trabalhadores da fazenda, quando o patrão começou a dar gargalhada às costas do pobre pongo, esse, esse homemzinho, falou muito claramente…

PONGO Grande senhor, dá-me tua licença. Quero falar-te.

PATRÃO Que?… Ouvi bem?… Foi você quem falou?

PONGO Tua licença, grande senhor, para falar-te. É a ti a que quero falar.

(CONTINUARÁ)

BIBLIOGRAFÍA
José María Arguedas, El sueño del pongo, Salqantay, Lima, 1965.