UMA ANCIÃ TERCA
Uma crença não razoada, fanática, leva a cometer graves erros. E a confundir os efeItos com as causas.
CONTROL AMANHECER
EFEITO GALO
NARRADORA Uma anciã observava que com precisão, quase matemática, seu galo se punha a cantar, todos os dias, justamente antes de sair o sol.
EFEITO GALO
ANCIÃ Está claro, claríssimo. O galo chama o sol e este acode a seu chamado. É o galo o que faz amanhecer.
NARRADORA Por este motivo, quando se lhe mureu o galo, se apressou a colocar outro em seu lugar. Temia que, à manhã seguinte, o astro rei não se decidira sair.
HOMEM Estás louca, velha!… Como ousa pensar que o Sol… o Sol!… obedece a teu galo.
ANCIÃ Assim é. Já comprovei durante anos.
MULHER Mas, vizinha, pense, imagine, o que você disse não tem pé e nem cabeça. Não é científico.
ANCIÃ Científico!… Como se os cientistas soubessem alguma coisa… Com estes olhos que a terra há de comer, eu vi. Canta o galo e sai o Sol.
MULHER 2 Não seja tonta, vizinha, como se lhe ocorre que…
ANCIÃ Tonta será você que não entende como funciona. Nem tem fé.
HOMEM 2 Que cabeça tão dura!… Sabe que, senhora?… Quer convencer-se de seu erro?… Saia do povoado e leve o seu galo… vamos ver o dia não vai amanhecer!
ANCIANA Pois sim, vou sair. Vou deste povoado incrédulo. Arranem-se como possam quando amanhã ficar escuro…A escuras para sempre!
CONTROL MÚSICA TRANSIÇÃO
NARRADORA Dito e fato. A anciã se foi esse mesmo dia viver longe, num povoado que ficava a algumas milhas da aldeia, distante de onde havia nascido.
EFEITO GALO
NARRADORA No dia seguinte, no novo povoado, o galo se pôs a cantar bem cedinho. E um pouco mais tarde, começou a sair o sol no horizonte.
ANCIÃ Já vem?… E todavia não se convencem?…O Sol sai agora aqui, neste povoado, porque aqui está o galo.
NARRADORA O único que lhe extranhou à anciã foi que seus antigos vizinhos nunca atreveram a pedir-lhe que regressasse à aldeia acompanhada de seu galo.
ANCIÃ Bah, por teimosia. Por ignorantes… Em fim, eles se o buscaram. Quiseram ficar sem Sol, sem luz… problema deles!
CONTROL MÚSICA IRÔNICA
Anthony de Mello, La Oración de la Rana 1, Sal Terrae, Santander 1988.